Titulo da Obra – Macunaíma.
ANDRADE, Mario. Macunaíma, ática : São Paulo, 2 ed.
O personagem-herói Macunaíma de Mario de Andrade consegue captar e concentrar em um romance literário toda a trajetória da formação da cultura brasileira e mostrar como é forte o estigma das três raças: branca, negra e indígena desenvolvido desde a invasão do Brasil pelos povos europeus e que procura camuflar as diferenças e divergências sociais, culturais e raciais presentes na sociedade.
O livro, assim como a mini-série é uma tentativa de pensar o Brasil como uma cultura diversificada e fruto de grande miscigenação, embora o personagem mostre claramente o jeito indolente e a sua fraqueza diante da cultura importada dos países europeus e da fragmentação dos ideais nacionalistas corrompidos facilmente pelo capital estrangeiro. Além disso, o autor procura demonstrar através do personagem e da linguagem como se deu a construção das teorias raciais brasileiras após a dizimação indígena e a abolição dos escravos e procura explicar a singularidade de um povo alicerçado nos mitos, lendas e costumes produzidos pela mestiçagem.
O comportamento preguiçoso, malandro e irreverente que ainda hoje é visto e aceito pelo mundo como verdade absoluta e símbolo do jeitinho brasileiro é retratada na obra de Mario de Andrade através do seu personagem cheio de simbologias e interpretações.
Tanto para o autor em “Macunaíma” quanto para Lilian Moritz, em “O Espetáculo das Raças,” o país foi aos poucos sendo moldado pela ciência política imperialista perdendo sua essência de primitivismo e passando a civilizado através de pensamentos deterministas usados como instrumentos de dominação, cujo objetivo de alienar e subjugar uma nação em pleno florescimento foi alcançado com sucesso.
Essa condição de submissão fica claro quando Macunaíma deixa a vida na selva, abandonando seu meio geográfico e cultural corrompendo-se pelo brilho falso da cidade civilizada e por novos costumes da vida industrializada, onde os deuses não passam de simples objetos figurativos, o que antes era sagrado para índios e negros, passa a ter caráter profano dentro da sociedade.
Assim nasce o racismo brasileiro na simples ideia de não admitir em ser um país racista, e isso permanece até os dias atuais.
A sociedade brasileira foi assim formada, como Macunaíma, dentro de um contexto social cheio de preconceitos, diferenças e injustiças sociais, raciais, culturais e econômicas. Resultado da falta de uma identidade verdadeira, de conceitos e de costumes que foram se perdendo ao longo do processo de colonização e se corrompendo aos modismos europeus e á comportamentos e idéias que nada tem em comum com o espaço geográfico e o clima, de um ambiente tropical.
Os costumes trazidos pelos europeus de países de clima frio foram sendo moldados e adaptados à moda brasileira, já que como Macunaíma foi impossível preservar algo que fosse natural e típico do continente.
A discriminação racial e a invasão de novas religiões resquícios do iluminismo e da explosão industrial transformaram o país de antes e de agora em uma verdadeira torre de babel. Aonde o índio (Macunaíma primevo), vai aos poucos perdendo seu espaço geográfico e com ele a ingenuidade de sua cultura cujas raízes poderiam ser única chance do Brasil resgatar sua verdadeira identidade e autonomia como povo.
A perda dessa cultura, ou a troca de “borboletas” (o exótico) por “ideias” (o civilizado), como se refere o autor, representa a submissão à cultura cristã européia e a falta de forças do povo brasileiro em lutar contra essa dominação. Isso fica explicito quando os antigos rituais indígenas e africanos são taxados pelos brancos como rituais pagãos ou satânicos visto que se distanciavam do cristianismo trazido pelos europeus.
Essa discriminação religiosa fica ainda mais nítida quando todos os pajés e pais de santo recebem a alcunha pejorativa de “macumbeiros”, e isso aparece como uma forma desonesta de imposição religiosa, disposta a massacrar impiedosamente a cultura local.
Outro personagem tipicamente brasileiro e que representa muito bem toda essa dominação é um Aruaí (uma espécie de arara nativa) que acompanha Macunaíma e aprende a repetir todas as suas histórias, assim como o povo repete como papagaios tudo o que vê e ouve, sem contestar, e essa característica ainda sobrevive e permanece mais forte que nunca.
A obra de Mario de Andrade é cheia de simbologias e cada personagem incorpora uma triste realidade que nunca deixou de ser atual independente de qualquer que seja a fase histórica do Brasil. Ela sempre esta presente e atuante, mesmo assim, no final do livro, o autor tenta trazer um ultimo e desesperado rasgo de esperança, na tentativa de construir uma unidade cultural tipicamente brasileira ao propor que ela ainda é possível ,quando ao matar seu personagem o transforma em uma estrela da constelação Ursa Maior e o coloca como um brilho no céu, deixando aqui na terra apenas uma laje onde se le a seguinte frase: “Eu não Nasci Pra Ser Pedra”.
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